quarta-feira, 22 de março de 2017

Sonetos, poema cinético e haicai

Sonetos
Um soneto é um tipo de poema de origem italiana, composto por 14 versos, geralmente divididos em 4 estrofes – as duas primeiras com 4 versos cada, e as duas últimas com 3 versos cada. Saboreie a poesia, aprendendo a apreciar, inclusive, o gosto amargo de seus versos fúnebres, mórbidos, viscerais, esplâncnicos (que se refere às vísceras) e verminais.
Versos íntimos


Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!


.Psicologia de um vencido


Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!


A um monstro


Fome! E, na ânsia voraz que, ávida, aumenta,
Receando outras mandíbulas a esbangem,
Os dentes antropófagos que rangem,
Antes da refeição sanguinolenta!

Amor! E a satiríasis sedenta,
Rugindo, enquanto as almas se confrangem,
Todas as danações sexuais que abrangem
A apolínica besta famulenta!

Ambos assim, tragando a ambiência vasta,
No desembestamento que os arrasta,
Superexcitadíssimos, os dois

Representam, no ardor dos seus assomos
A alegoria do que outrora fomos
E a imagem bronca do que inda hoje sois!


Ao meu primeiro filho
(nascido morto com 7 meses incompletos, no dia 02 de fevereiro de 1911)


Agregado infeliz de sangue e cal,
Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande força fecundante
De minha brônzea trama neuronial

Que poder embriológico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
A tua morfogênese de infante,
A minha morfogênese ancestral?!

Porção de minha plásmica substância,
Em que lugar irás passar a infância,
Tragicamente anônimo, a feder?!…

Ah! Possas tu dormir feto esquecido,
Panteisticamente dissolvido
Na noumenalidade do NÃO SER!


O morcego


Meia noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vêde:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede…”
— Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o tecto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!


O meu nirvana


No alheamento da obscura forma humana,
De que, pensando, me desencarcero,
Foi que eu, num grito de emoção, sincero
Encontrei, afinal, o meu Nirvana!

Nessa manumissão schopenhauereana,
Onde a Vida do humano aspecto fero
Se desarraiga, eu, feito força, impero
Na imanência da Ideia Soberana!

Destruída a sensação que oriunda fora
Do tacto — ínfima antena aferidora
Destas tegumentárias mãos plebeias —

Gozo o prazer, que os anos não carcomem,
De haver trocado a minha forma de homem
Pela imortalidade das Ideias!


A ideia


De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!

Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica …

Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica.


Idealismo


Falas de amor, e eu ouço tudo e calo
O amor na Humanidade é uma mentira.
E é por isto que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?

Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
— Alavanca desviada do seu fulcro —

E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!



Agonia de um filósofo


Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto
Rig-Veda. E, ante obras tais, me não consolo.
O Inconsciente me assombra e eu nêle tolo
Com a eólica fúria do harmatã inquieto!

Assisto agora à morte de um inseto!
Ah! todos os fenômenos do solo
Parecem realizar de pólo a pólo
O ideal de Anaximandro de Mileto!

No hierático areópago heterogêneo
Das idéas, percorro como um gênio
Desde a alma de Haeckel à alma cenobial!

Rasgo dos mundos o velário espesso;
E em tudo, igual a Goethe, reconheço
O império da substância universal!


Augusto dos Anjos
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu em 28 de abril de 1884, no Engenho do Pau d’Arco (PB).
Seus pais eram proprietários de engenhos, os quais seriam perdidos alguns anos mais tarde, em razão do fim da monarquia, da abolição e da implantação da república.
Foi educado pelo próprio pai até ao período antecedente à faculdade. Formou-se em Direito no Recife, contudo, nunca exerceu a profissão. Criado envolto aos livros da biblioteca do pai,era dedicado às letras desde muito cedo. Ainda adolescente, o poeta publicava poesias para o jornal “O Comércio”, as quais causavam muita polêmica, por causa dos poemas era tido como louco para alguns e era elogiado por outros. Na Paraíba, foi chamado de “Doutor Tristeza” por causa de suas temáticas poéticas.
Augusto dos Anjos vivenciou a época do parnasianismo e simbolismo e das influências destas escolas literárias através de seus escritores, como: Olavo Bilac, Alberto de Oliveira, Cruz e Souza, Graça Aranha, dentre outros. Porém, o único livro do escritor, intitulado “Eu”, trouxe inovação no modo de escrever, com ideias modernas, termos científicos e temáticas influenciadas por sua multiplicidade intelectual. Pela divergência dos assuntos tratados pelo autor em seus poemas em relação aos dos autores da época, Augusto dos Anjos se encaixa na fase de transição para o modernismo, chamada de pré-modernismo.
O poeta tinha como tema uma profunda obsessão pela morte e teve como base a idéia de negação da vida material e um estranho interesse pela decomposição do corpo e do papel do verme nesta questão. Por este motivo foi conhecido também como o “Poeta da morte”.  Sua única obra marca a literatura brasileira pela linguagem e temática diferenciadas.

Haicai
1.     forma de poesia japonesa surgida no século XVI e ainda hoje em voga, composta de três versos, com cinco, sete e cinco sílabas. Costuma abordar temas que se referem a elementos relacionados à natureza ou ao cotidiano.
o    forma poética de métrica e acentuação adaptada a partir desta, criada no Brasil. Origem: jap. haikai

Você pode crer
O pior cego
É o que quer ver

                                    Millôr Frenandes 

Poemas visuais ou cinéticos
A poesia é uma forma de expressar sentimentos diversos em diferentes situações e por isso mesmo pode ter inúmeras formas de ser apresentado. Dentre os gêneros de poemas que podem existir está o poema visual ou cinético que consiste em poemas que buscam trazer velocidade para que as palavras representem uma ideia mais concreta.
Os poemas visuais são compostos por elementos visuais ou gráficos organizados artisticamente para expressar algum tipo de mensagem. Emprega as palavras dando um novo sentido à poesia. A palavra aparece como um objeto que trabalha de forma integrada o som, a visualidade e o sentido, propondo novos modos de fazer poesia.




                                                             Imagem retirada do Google

Nenhum comentário:

Postar um comentário